Lembro-me da residência, uma casa de
arquitetura colonial, localizada as margens de uma lagoa, com uma árvore de ipê
nos fundos, uma vizinhança tranquila, amigável e com vários campos que na
primavera se cobria de flores. Parece paisagem de pintura, mas era real, eu
também não acreditava que lugares assim existiam, mas existem, agora não sei se
neste mundo ou no outro.
Eu era novo, recém-admitido numa empresa
multinacional, meus pais não aprovavam a minha mudança, sair do centro urbano
para me acomodar numa cidadela interiorana, confesso que eu tinha receio de não
me adaptar, mas o salário era muito bom, eu poderia levar adiante os meus
planos de montar a minha própria empresa de consultoria artística.
Logo que aceitei o emprego, cheguei à pacata
cidade de Novos Campos e passei um dia inteiro em busca de um lugar para
alugar, algo que não fosse tão caro, afinal eu queria economizar, mas que fosse
aconchegante para um rapaz solteiro que viveria só por alguns anos. Percorri
por várias ruas do centro da cidade e nenhuma moradia disponível, pedi
informações aos moradores e todos me davam a mesma resposta “aqui é difícil
encontrar casas vagas”, então decidi, enfim, procurar o único corretor de
imóveis da cidade.
Na imobiliária me deparei com uma situação
inusitada e um pouco desestimulante, a única casa disponível se localizava há
alguns quilômetros fora do centro da cidade era uma casa campestre e, além
disso, possuía a fama de ser mal assombrada. Ri no momento em que soube da
história, mas imediatamente desfiz o sorriso, pois percebi que o corretor
falara sério.
Perguntei sobre qual tipo de assombração
estávamos falando, afinal, anoitecia e eu precisava definir um local para
passar a noite. O corretor explicou-me um pouco da história da casa, disse que
no passado ela era habitada por um grande coronel, dono de muitas terras e de
trabalhadores escravizados por dívidas. Era
um homem muito cruel, muitos homens sofreram castigos perversos e morreram
naquelas terras. A casa está localizada nos campos mais lindos da cidade, mas
tem esse problema de ser povoada por esses espíritos dos ex-trabalhadores.
Acreditei na história que ele me contou,
pois me mostrou, na internet, alguns documentos antigos da época, eram
registros de jornal que documentavam a descoberta do cemitério clandestino com
mais de vinte ossadas de seres humanos, os supostos ex-trabalhadores. Mas não
acreditei que a casa sofresse com a influência de algum tipo de energia do
além, nunca acreditei nisso, meus pais sempre me falavam que era para eu ter
medo dos vivos, pois os mortos nada podiam fazer de mal. Convicto no que eu
pensava e na necessidade de dormir, eu estava exausto, resolvi ir conhecer a
tal casa.
A meia hora do centro de Campos Novos,
bem após uma curva há mais ou menos um quilômetro eu já conseguia avistar a
casa, construída sobre uma colina, de fato, era uma casa estilo colonial, com
uma varanda trabalhada em arcos, portas e janelas feitas de madeira de lei.
Não sei por que as pessoas evitavam
aquela casa, ela era tão charmosa e possuía um grande valor histórico, embora
não fosse um passado muito bom, mas isso não a desvalorizava enquanto história,
afinal, a sua estrutura representava um estilo de época e se mantinha intacta,
super conservada, exceto pela pintura desgastada.
Nem
bem chegamos e o corretor deu meia volta e saiu queimando pneu, apenas deixou
claro que os boletos seriam enviados para o endereço todo fim de mês. Não
importou a mim, estava ansioso para adentrar na minha nova casa. No interior da
sala, vi que a mobília estava descoberta e limpa, como se a casa nunca tivesse
deixado de ser habitada. Novamente não me importou, continuei explorando a
casa. Fui aos quartos, embora o valor cobrado pelo imóvel estivesse acessível,
a casa era grande, possuía vários quartos, todos distribuídos em um corredor
longo, que ligava a sala a cozinha.
Definitivamente, eu estava
satisfeito com a minha aquisição, havia me apaixonado pela casa, o cansaço me
vencia, mas não poderia dormir sem pegar uma ducha. Fui conhecer a banheira da suíte,
a pus para encher enquanto retirava a roupa, fui me despindo, e do nada a porta
abriu lentamente, propagando pelo cômodo um ruído de dobradiças enferrujadas.
Olhei para a porta, mas não vi ninguém. Peguei a toalha a coloquei no ombro,
caminhei até a porta, a fechei e me dirigi ao banheiro, mergulhei lentamente na
banheira e com o chuveiro ainda ligado, aparei as gotas no rosto até adormecer.
Quando acordei, senti um cheiro bom
de café da manhã, estranhei, afinal, quem poderia estar na cozinha fazendo o
café? Eu era novo ali e não tinha feito amizade com ninguém ainda, sequer tinha
me apresentado na filial da empresa. Peguei a toalha, enrolei-a na cintura e
desci a escada devagar, olhando apreensivo cada cômodo da casa. Ao chegar à
cozinha, vi uma mulher de costas, trajando um vestido longo, antigo, era
morena, aparentemente nova, por volta dos vinte anos, corpo bonito, parecia
preparar algo. Assustado eu deixei escapar um “oi”, mas ela não respondeu, fui
me aproximando devagar até conseguir tocar em seu ombro, então a toquei e
perguntei _ Quem é você? _ Ela se virou e falou com um ar de felicidade _ Até
que fim você acordou! _ Eu não entendi nada, mas olhei em seus olhos verdes que
me hipnotizaram e me regressaram à sua história.
Seu nome era Esmeralda, talvez pela
cor dos olhos, era filha bastarda do dono da casa, Coronel Antônio Vellais. O
coronel era casado com a senhora Lindalva, alguns anos mais nova que ele, charmosa,
porém estéril, o que fazia com que aceitasse a presença de Esmeralda na casa, mesmo
sabendo que era fruto de um ato de infidelidade de seu esposo. Esmeralda era
tratada como uma serviçal, não era escrava, mas não gozava de seus direitos
como filha. O coronel sofria de uma enfermidade crônica, sabia que logo
morreria, portanto tratou de cuidar do testamento antes que a sua hora de
partir chegasse.
Embora a fama de coronel cruel do
senhor Vellais ultrapassasse as fronteiras da cidade, em seu testamento, ele
buscou se redimir com Esmeralda e deixou a posse da Casa Colonial em nome de sua
única filha. Quando morreu e a leitura do testamento foi feita, senhora Lindalva
não se conformou e se descontrolou emocionalmente, foi até a sala de caça da casa,
pegou uma arma, voltou à sala e atirou em Esmeralda, que em seus poucos minutos
de vida, sussurrou _Esta casa é minha e daqui não sairei.
Após esta lembrança, voltei da regressão
e compreendi o que se passava na casa. A moça pegou numa de minhas mãos e disse
_ Agora ela também é sua! _ Olhei seriamente nos olhos dela, depois baixei a
cabeça e vi que na outra mão ela manuseava uma faca com a qual me desferiu um
golpe fatal dizendo _ Fazia muito tempo que te esperava! _ Minha vista foi
embaçando, fui caindo e a respiração parando lentamente, meu sangue escorrendo
e sendo absorvido pelo piso, eu, definitivamente, fui me sentindo cada vez mais
ligado à arquitetura da casa, desde então nunca mais ninguém obteve notícias a
meu respeito. Junto a Esmeralda e aos outros espíritos da fazenda, passei a
guardar a casa de todos os intrusos que a tentassem tomar de nós.
Nenhum comentário:
Postar um comentário